quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Viva os chatoboys


Acabei de ler um livro muito bonito, Destinos Mistos, de Heloísa Pontes. Fala sobre o Grupo Clima, que publicava uma revista com este nome na década de 40. A autora parte da metodologia de Raymond Williams, utilizada no artigo A Fração Bloomsbury, um clássico. Neste artigo, o intelectual inglês estuda o grupo do qual participavam Virgínia Woolf e J. M Keynes - coisa que é parcialmente retratada no filme As Horas.

A revista Clima teve um papel enorme pois lançou, ainda muito jovens, nomes como Antonio Cândido, responsável pela crítica literária, Paulo Emílio Salles Gomes, responsável pela crítica de cinema, Décio de Almeida Prado, responsável pela crítica de teatro. Além disso, saíram do Grupo Clima gente como Lourival Gomes Machado, Ruy Coelho e Gilda de Mello e Souza.

Aliás, a abordagem da história de Dona Gilda, como ela ficaria conhecida, é das coisas mais bonitas do livro. Mostra os obstáculos que as mulheres tiveram que enfrentar na academia, lugar supostamente mais ilustrado e livre. Gilda sofreu preconceitos grandes por parte de professores e colegas, do mesmo modo que ocorreu com Paula Beiguelman ( dia desses conto um pouco da belíssima história dela aqui).

A relação do Grupo Clima com os modernistas é outro ponto forte do livro. Os conflitos entre a geração mais antiga - formada por gente como Oswald e Mário de Andrade -, e a moçada do Grupo Clima é tratada com maestria pela autora. A parte mais divertida é a relação estabelecida entre Oswald e Antonio Candido.

A coisa ferveu quando Cândido, menino de pouco mais de vinte anos, publicou uma crítica algo ácida de um livro de Oswald de Andrade. O autor reagiu com dureza, bateu forte no crítico iniciante em um artigo divertidíssimo. Aproveitando o ensejo, colou na testa dos moços do Grupo Clima o apelido de chatoboys, que ficaria para sempre. O motivo era a sisudez dos meninos e meninas, que não gostavam de madrugada, estudavam como loucos, e não se aproximavam da bebida.

Mais tarde, por uma dessas ironias da história, Antonio Cândido recuperaria a obra do autor de Serafim Ponte Grande, que andava ofuscada pelo brilhantismo de Mário de Andrade.

Paulo Emílio Salles Gomes, Décio Almeida Prado, Gilda de Mello e Souza, Antonio Cândido se formaram juntos - a amizade, o convívio, a afetividade, produziram os maiores críticos da literatura, do cinema e do teatro que o país conheceu.

Heloísa Pontes. Destinos Mistos. Os críticos do Grupo Clima em São Paulo 1940-1968. São Paulo: Companhia das Letras, 1998


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