sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

"eu que não fui feito para esquecer"



Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti viveram uma relação cheia de afetividade, amor ( ora platônico, ora realizado), e ódio. É famosa a competição entre Tarsila e Anita para vem quem pintava o mais bonito quadro para presentear Mário; mais conhecida ainda é a paixão recolhida de Anita por Mário, deste por Tarsila e desta por Oswald.

Nesta relação de quatrilho, a disputa entre Mário e Oswald é a que teve maior papel na definição dos rumos do movimento modernista. O autor de Serafim Ponte Grande acusava Mário de querer construir em torno de si uma escola, à qual todos deveriam se subordinar. Este se indignava com a acusação, conduzindo a coisa para uma ruptura que dividiria o campo intelectual do período.

Há quem veja nesta ruptura a fundação de uma linha divisória na cultura brasileira, onde de um lado estariam Oswald, os tropicalistas, Zé Celso Martinez Correa, e outros; de outro estariam Mário de Andrade, a visão do nacional popular, os sambistas do Rio de Janeiro, o CPC, etc.

Sendo isso verdade ou exagero, não deixa de ter interesse entender esta ruptura. Se não o interesse "científico", ao menos o estético - há muita coisa bonita produzida pela dor que o processo provocou.

Oswald, mais impulsivo e mais generoso, em pelo menos duas ocasiões tentou a reconciliação com o antigo parceiro, uma vez através de Lasar Segall e outra através poeta Edgar Braga. Diante das tentativas Mário fui duro e disse: "eu perdôo, mas não esqueço".

Em carta a Tarsila, falando da ruptura e da recusa diante das tentativas do ex-amigo, Mário diria algo muito bonito. "E então eu, que não fui feito para esquecer, não será possível jamais que eu me esqueça, nem de ninguém nem de nada".

E termina a carta pungente, doloridíssima, que é para Tarsila mas que também é pra Oswald : "E paro porque afinal tudo isso é muito triste e pouco digno do seus olhos e de seu coração que só podem merecer felicidade".

Interessantes afetividades - uma perdoando por amar demais, outra não perdoando pelo mesmo motivo.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Chico Anysio e o Rio Antigo

Chico Anysio está internado, com graves problemas respiratórios, lutando pela vida. Este fato, de resto comum para alguém com a idade dele, tem me tocado especialmente.

Todos sabem dos posicionamentos políticos do artista, bastante conservadores - Para dar dois exemplos recentes ele já falou que goleiro negro não dá certo, amaldiçoando Dida e clamou pela derrota de Dilma nas últimas eleições, formando ao lado de Ferreira Goulart e outros.

Apesar disso tudo, vejo a agonia de Chico Anysio como se visse a de alguém muito próximo. Em parte porque ele fez parte de minha infância através da TV, como poucos. Mas também porque com ele vai embora um tempo, um Brasil, que em grande parte não vivi, mas do qual sinto saudades.

O humor genial feito por ele já não seria possível no tempo atual, tão mobilizado em higienizar todas as manifestações do espírito, tão pautado por um humor sexualizado e apelativo, tão distante do que é o Brasil.

Por isso o artista foi encostado pela Globo. Passou os últimos anos em depressão, percebendo que o país que o amou não existia mais, tragado pela vaga da modernidade, que traz progresso e tira um tipo de liberdade que é cara para quem a percebe.

Ziraldo disse esses dias que Chico Anysio é o maior artista brasileiro de todos os tempos. Se ser artista brasileiro é interpretar a alma nacional é possível que ele tenha razão. No mínimo, precisaríamos por o cearense ao lado de Mario de Andrade, Gilberto Freyre, Aldir Blanc.

Ou há algo que resuma mais o país do que Zelberto Zel ( Gilberto Gil), Pantaleão ( "é mentira Terta?"), Painho, Nicanor, Neide Taubaté ("uauuu, não é mesmo?"), Nazareno, Alberto Roberto, Justo Veríssimo, Jovem ( que é o Taumaturgo Ferreira, tenho certeza), Hilário, Haroldo, Coalhada, Dona Dedé, Bozó....

Para homenagear Chico Anysio, vai abaixo uma música linda de sua autoria ( sim, Chico também é compositor), chamada Rio Antigo. A nota interessante é que a letra fala de uma cidade que não volta mais, de um tempo que passou irremediavelmente. Além disso, é cantada juntamente com Mussum, outro que não teria lugar neste Brasil moderno, que, contraditóriamente, ajudamos a construir.



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Viva os chatoboys


Acabei de ler um livro muito bonito, Destinos Mistos, de Heloísa Pontes. Fala sobre o Grupo Clima, que publicava uma revista com este nome na década de 40. A autora parte da metodologia de Raymond Williams, utilizada no artigo A Fração Bloomsbury, um clássico. Neste artigo, o intelectual inglês estuda o grupo do qual participavam Virgínia Woolf e J. M Keynes - coisa que é parcialmente retratada no filme As Horas.

A revista Clima teve um papel enorme pois lançou, ainda muito jovens, nomes como Antonio Cândido, responsável pela crítica literária, Paulo Emílio Salles Gomes, responsável pela crítica de cinema, Décio de Almeida Prado, responsável pela crítica de teatro. Além disso, saíram do Grupo Clima gente como Lourival Gomes Machado, Ruy Coelho e Gilda de Mello e Souza.

Aliás, a abordagem da história de Dona Gilda, como ela ficaria conhecida, é das coisas mais bonitas do livro. Mostra os obstáculos que as mulheres tiveram que enfrentar na academia, lugar supostamente mais ilustrado e livre. Gilda sofreu preconceitos grandes por parte de professores e colegas, do mesmo modo que ocorreu com Paula Beiguelman ( dia desses conto um pouco da belíssima história dela aqui).

A relação do Grupo Clima com os modernistas é outro ponto forte do livro. Os conflitos entre a geração mais antiga - formada por gente como Oswald e Mário de Andrade -, e a moçada do Grupo Clima é tratada com maestria pela autora. A parte mais divertida é a relação estabelecida entre Oswald e Antonio Candido.

A coisa ferveu quando Cândido, menino de pouco mais de vinte anos, publicou uma crítica algo ácida de um livro de Oswald de Andrade. O autor reagiu com dureza, bateu forte no crítico iniciante em um artigo divertidíssimo. Aproveitando o ensejo, colou na testa dos moços do Grupo Clima o apelido de chatoboys, que ficaria para sempre. O motivo era a sisudez dos meninos e meninas, que não gostavam de madrugada, estudavam como loucos, e não se aproximavam da bebida.

Mais tarde, por uma dessas ironias da história, Antonio Cândido recuperaria a obra do autor de Serafim Ponte Grande, que andava ofuscada pelo brilhantismo de Mário de Andrade.

Paulo Emílio Salles Gomes, Décio Almeida Prado, Gilda de Mello e Souza, Antonio Cândido se formaram juntos - a amizade, o convívio, a afetividade, produziram os maiores críticos da literatura, do cinema e do teatro que o país conheceu.

Heloísa Pontes. Destinos Mistos. Os críticos do Grupo Clima em São Paulo 1940-1968. São Paulo: Companhia das Letras, 1998


sábado, 15 de janeiro de 2011

Os ídolos de César

César Maia outro dia disse quem eram seus ídolos. Falou em três, se a memória não me falha, mas só fixei um: Carlos Lacerda.
Fora todas as torpezas lacerdistas que são de conhecimento geral, trago ao Casagrande mais uma, relatada por Heitor Lyra em suas memórias, o livro Minha Vida Diplomática.
Segundo o diplomata veterano, em uma entrevista dada em Portugal quando Lacerda era governador da Guanabara, um jornalista negro perguntou-lhe se havia racismo no Brasil. Ele prontamente respondeu que não.
O jornalista, que era angolano, perguntou-lhe à queima roupa: "se uma entrevista como esta ocorresse no Brasil, eu estaria tão à vontade quanto estou aqui"?
A resposta de Lacerda fica melhor na pena de Lyra:
" Não, respondeu o Governador, porque no Brasil o que existe sobretudo é o preconceito do negro contra o branco; ele se afasta e se exclui das casas de famílias brancas, porque no seio delas não se sentiria à vontade. Assim que, num caso como este de agora, seria você que não viria".
De fato, César Maia atua de acordo com os preceitos de seus heróis.

PS: Quem quiser conferir: Heitor Lyra. Minha Vida Diplomática. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1991. Tomo I p. 15.



Voltando a postar

Repentinamente senti vontade de voltar a escrever por aqui. Vamos ver quanto tempo isso dura. Desta vez vou variar um pouco, não escrevendo só sobre futebol. Assim, talvez, minha regularidade no espaço seja maior. Vejamos...